sexta-feira, 30 de abril de 2010

DITADURA E CAMPANHA

Comentário de Félix Valois – Jornal Diário do Amazonas – Edição de 30.04.2010


“Nunca fui experto (meu amado revisor, não me substituas esse ‘x’ por um ‘s’) em política. Vai daí que muitas vezes não consigo entender como as coisas se passam nesse campo, nem quais são os motivos que levam os profissionais à escolha de determinados caminhos.

Agora, por exemplo, com a campanha presidencial claramente deflagrada (não me venham com hipocrisias), meu correio eletrônico tem sido abarrotado por mensagens que buscam denegrir a imagem da senhora Dilma Rouseffe, apresentando-a como guerrilheira, assaltante de banco, como se fora ela uma bandida, daquelas tão bem apresentadas por Selma Hayeck e Penélope Cruz, no clássico filme.

Já se vê que o material diz respeito a opção da ex-ministra na época da ditadura militar, buscando-se denegrir sua forma de atuação. E aí que a minha burrice me deixa tonto. Como é que pode ser desfavorável a alguém a revelação de que, por qualquer meio a seu dispor, após resistência à ditadura? Muito pelo contrário, tudo o que se fez contra ele foi pouco, tanto que os anos de chumbo se estenderam por duas décadas, vitimando e violentando toda uma geração.

Cá na minha ignorância, só posso imaginar que, se parte dos mais velhos, uma campanha desse tipo revela deplorável falta de memória ou, o que é mais grave, conivência com os abomináveis atos institucionais, traduzindo-lhes aprovação post-mortem, com um freudiano desejo de ressurreição.

Provindo da juventude a postura traduz uma alienação igualmente absurda, por isso que implica num desconhecimento imperdoável de nossa história, mesmo a mais recente, como se não tivéssemos o dever de conhecer o passado para bem viver o presente e estruturar as bases do futuro.

No meu amadorismo, não posso deixar de perceber que, dada a importância e relevância do cargo em disputa, a campanha deveria servir para trazer a debate problemas graves que nos aflingem. Avulta entre eles a óbvia tendência para a formação de um estado policialesco, em que fez tábua rasa das garantias constitucionais do cidadão em favor de uma cultura de prisão, elevando-se o cárcere a qualquer custo à categoria de panacéia universal.

Isso para não falar das bases mesmos desse neoliberalismo arrasador, por via do qual as injustiças sociais são perenizadas, deixando-se de lado as verdadeiras políticas públicas de Estado em benefício de um paternalismo ultrapassado. Aí sim, as coisas podem causar pavor.

Mas, combater a ditadura? Tenham a santa paciência. Quem não o fez, por algum meio mínimo que fosse, não merece de minha parte outra qualificação que não a de covarde”.


O Doutor Félix Valois é Advogado (comentários: redação@diarioam.com.br)

domingo, 11 de abril de 2010

ONDE ESTÁ A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ?

(Comentário de Felix Valois - Jornal Diário do Amazonas, de 09.04.2010, pág. Opínião)

"O CNJ repetiu com o Desembargador Ari Moutinho o mesmo que fizera com outros membros da magistratura amazonense: afastou-o cautelarmente de suas funções judicantes. À época do primeiro fato, publiquei, aqui neste espaço, o texto abaixo. Repito-o, com mínimas alterações, porque não consigo me conformar com essa inversão do princípio constitucional. No Brasil policialesco de hoje, as pessoas estão sendo consideradas culpadas até prova em contrário. É um absurdo.
A pergunta é singela: como ficarão as coisas se forem consideradas improcedentes as acusações que levaram o órgão a tomar a drástica medida?
O Retrato do desembargador já saiu nos jornais, os comentários estão na internet e seus inimigos (se é que os tem) devem a esta altura se estar regozijando. A questão há de ser enfocada pela ótica do princípio constitucional da presunção do estado de inocência.
Os poucos que me leem hão de lembrar que inúmeras vezes tenho abordado o assunto em decorrência das espetaculosas operações que a Polícia Federal, com o apoio do Ministério Público e a sanção do Judiciário, tem proporcionado.
Deferem-se pedidos de prisão temporária e os alvos são exibidos nos jornais devidamente algemados, enquanto a televisão fornece detalhes que nem os advogados conhecem.
Já houve casos de absolvição dessas 'vítimas'. E aí? Perodiando o grande Vinícius, "quem pagará o enterro e as flores?" Existe, digam-me se existe, algum parâmetro que permita calcular indenização efetivamente compensatória para quem passou por tal vexame? O nome foi enxovalhado definitivamente e como ficam os filhos dessas pessoas na escola?
Na esfera criminal, as prisões temporárias e provisórias são medidas cautelares que só deveriam ser usadas em última análise pelo magistrado. Não foi por outro motivo que a comissão elaboradora do anteprojeto de um novo código de processo penal cuidou do tema, alargando o elenco de cautelares pessoais, a permitir mais opções, e disciplinando com rigor os prazos dessas medidas excepcionais.
No administrativo, a situação é similar. A providência determinada pelo organismo fiscalizador é extremamente severa e, eu diria, irreversível, na medida em que ninguém há de nutrir a ilusão de que o magistrado tenha condições de voltar à judicatura, mesmo que o ACNJ, a ONU e o Papa lhe proclamem a inocência.
Democrata por vocação, acreditando que o ideal de justiça está muito acima da mera formalidade do direito posto, não consigo me acomodar quando vejo uma violência desse tipo. Acho que prego no deserto. Mas prego. É o mínimo que posso fazer".

O Doutor Félix Valois, é Advogado. ( redacao@diario.com.br )